O Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que propõe a suspensão da demarcação de duas terras indígenas em Santa Catarina foi aprovado nesta quarta-feira (28) pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Agora, o texto segue para votação no plenário da Casa. Se aprovado, o PDL 717/2024 será encaminhado para a Câmara dos Deputados. 516g27
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) alertou que a medida representa uma grave violação dos direitos indígenas e coloca em risco todo o processo de demarcação de terras no país.
“A demarcação das Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos resulta de um processo histórico e legalmente fundamentado”, destacou a Apib em publicação nas redes sociais.
O parecer que se opõe às demarcações alega que três decretos editados pelo Executivo estão em desacordo com a Lei do Marco Temporal (Lei 14.701), aprovada pelo Congresso em 2023, e que atualmente é alvo de contestação no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de uma ação de inconstitucionalidade.
O PDL propõe suspender o artigo 2º do Decreto nº 1.775, de 1996, que regulamenta o processo istrativo de demarcação de terras. Além disso, suspende dois decretos de 2024 que homologaram oficialmente as Terras Indígenas Toldo Imbu, localizada em Abelardo Luz, e Morro dos Cavalos, em Palhoça, ambas em Santa Catarina.
Durante a votação, a CCJ rejeitou o parecer do relator Alessandro Vieira (MDB-SE), que defendia a suspensão apenas do trecho do decreto de 1996, mantendo as demarcações em vigor. Em vez disso, foi aprovado o voto em separado do senador Sérgio Moro (União-PR), que apoiou integralmente a proposta do autor do PDL, senador Espiridião Amin (PP-SC), pela suspensão completa das demarcações.
Moro argumentou que as demarcações não consideraram a nova legislação do marco temporal, aprovada pelo Congresso.
“Apesar de ter sido aprovada com ampla maioria, incluindo a derrubada de veto presidencial, a nova lei vem sendo ignorada pelo Executivo e pelo Judiciário, como mostram os decretos demarcatórios que consideramos ilegais”, declarou.
A tese do marco temporal estabelece que apenas os povos indígenas que estavam em seus territórios na data da promulgação da Constituição, em outubro de 1988, teriam direito à demarcação. No entanto, o movimento indígena contesta essa tese, por entender que muitos grupos foram expulsos de suas terras antes dessa data — argumento já acolhido pelo STF, que considerou a tese inconstitucional.
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), questionou a decisão da CCJ.
“Esse processo de demarcação não começou agora. Ele foi concluído recentemente, mas remonta à década de 1990. A metodologia usada para essas demarcações é anterior à própria discussão atual”, afirmou.
Wagner lembrou que há uma tentativa de conciliação em andamento no STF para buscar um consenso sobre a aplicação da tese do marco temporal. Ele destacou que um dos decretos de demarcação já foi suspenso pelo Judiciário. Mesmo assim, os senadores favoráveis à suspensão não aceitaram aguardar uma decisão final da Corte.
“A decisão do Supremo prevê uma suspensão por 120 dias, ou seja, é temporária. Portanto, o decreto que já está suspenso pelo Judiciário também deve ser suspenso pelo Legislativo, sob o risco de a decisão inicial do STF não se confirmar”, argumentou Espiridião Amin.
Posição dos indígenas
A Apib, uma das principais entidades de representação dos povos indígenas no Brasil, afirmou em nota que o projeto aumenta a violência no campo, enfraquece a proteção ambiental e representa uma grave ameaça aos direitos dos povos originários, sendo consequência direta da Lei do Marco Temporal.
Segundo a entidade, o PDL desconsidera que as terras em questão foram reconhecidas por meio de estudos técnicos aprofundados, com a devida consulta às comunidades indígenas e demais populações afetadas.
A Apib também destacou que o ministro Gilmar Mendes, relator da ação sobre o marco temporal no STF, já sugeriu que demarcações concluídas e publicadas não sejam anuladas.
“A exigência do marco temporal desconsidera a violência histórica que resultou na remoção forçada de diversas comunidades indígenas, podendo inviabilizar demarcações legítimas e justas”, pontuou a organização.
Apesar de o STF ter considerado o marco temporal inconstitucional, o Congresso aprovou uma nova lei reafirmando essa tese. Uma nova ação foi então apresentada ao Supremo, solicitando a anulação da nova legislação. O ministro Gilmar Mendes, relator do processo, instaurou uma mesa de conciliação para debater o tema, proposta que, no entanto, foi rejeitada por diversas organizações indígenas.